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Como as equipe de cidades pequenas podem obter o sucesso: Algumas histórias

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Todo mundo gosta de uma história de triunfo do azarão. Os sucessos esportivos que mais comemoramos e dos que mais nos lembramos são sempre os inesperados, as vitórias de Davi contra Golias, do desprezado sobre o favorito.

Por algum motivo, a tendência da maioria de nós é de nos identificarmos com o lado mais fraco em uma disputa. Talvez seja o nosso senso inato de justiça, que tenta equilibrar as coisas e torce contra o lado mais forte. Ou talvez seja simplesmente o elemento de surpresa, de drama, que essas histórias trazem.

Seja qual for, é fato que gostamos de conhecer as histórias de equipes pequenas que triunfaram, mesmo quando a vitória era elusiva ou até, para o observador casual, quase impossível. 

Abaixo, vamos dar uma olhada em alguns dos fatores que podem ajudar as equipes de cidades pequenas a também realizar grandes conquistas, incluindo alguns casos reais.

pequenas

A questão do patrocínio

Antes de mais nada, é importante reconhecer o fato de que, sem um tanto razoável de verba, é impossível para um clube ir para a frente.

Aqui, tudo depende do esporte em questão e da região de que estamos falando. 

Patrocínio no futebol

Vejamos o caso do futebol. É um dos esportes que mais movimenta dinheiro no mundo todo: US$ 45 bilhões, aproximadamente, a cada ano. Mas mais de 70% desse valor é gasto só na Europa, o que quer dizer que os clubes de outros países podem nunca ver sequer sombra desse dinheiro.

Além disso, é enganoso considerar apenas o quanto é gasto no esporte como um todo, dado que a maioria do dinheiro vai exclusivamente para os clubes de mais alto renome. É só ver o quanto ganharam, em 2022, os clubes mais bem pagos:

  • Manchester city: US$ 766 milhões
  • Real Madrid: US$ 761 milhões
  • Bayern Munich: US$ 726 milhões

No Brasil, é claro, o futebol movimenta centenas de milhões de dólares todos os anos, mas, também aqui, a maioria desse dinheiro vai para os clubes grandes, de renome.

Apoio das prefeituras

Dada a desigualdade na renda, os clubes pequenos acabam dependendo do patrocínio de prefeituras locais. Em todo o Brasil, os clubes de cidades pequenas quase sempre dependem do apoio da prefeitura municipal para conseguir decolar no futebol profissional.

No entanto, isso nem sempre é suficiente para levar um clube longe. Afinal, não são tantas as prefeituras que têm tanto dinheiro a ponto de poder investir grandes quantias no futebol “raiz”.

Patrocínio empresarial

Outra opção que às vezes pode dar certo é o patrocínio individual de empresários bem situados. Foi o caso do Globo Futebol Clube, fundado pelo empresário Marconi Barreto em sua cidade natal de Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte.

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Em 2012, a iniciativa do empresário permitiu que a cidade não só ganhasse um novo clube, mas seu próprio centro de treinamento e estádio de futebol — o Barretão. Com capacidade para 10 mil pessoas, o clube abriga 13% da população de Ceará-Mirim, que é uma cidade de apenas 74 mil habitantes.

Graças a esta iniciativa, a cidade passou a ser um ponto de nota para o futebol regional, chegando a ganhar, em 2017, o vice-campeonato da Série D.

Iniciativas locais

Nem sempre são as prefeituras ou os empresários endinheirados que ajudam o sucesso das equipes em cidades pequenas. Às vezes, são responsáveis por isso iniciativas locais. Foi o caso de Lucas do Rio Verde, uma pequena cidade no interior do Mato Grosso. Com pouco mais de 60 mil habitantes, a cidade ganhou seu clube após ser convidada para participar do campeonato mato-grossense. 

Com seu clube fundado em 2004, a cidade chamou a atenção quando, em 2009, manteve-se na Série C (isso no ano em que foi criada a série D). Outros sucessos foram a conquista da Copa Verde, em 2017, e a disputa na Série B nacional de 2014 a 2017.

Motivos do sucesso dos pequenos clubes

Quando olhamos para as histórias de sucesso nos clubes pequenos, identificamos alguns fatores que quase sempre estão presentes.

Vejamos alguns deles abaixo.

Liderança individual

Quase todas as histórias de sucesso dos clubes pequenos começam com uma figura que estimula e incentiva. 

Essa figura pode ser um treinador, como ocorre muitas vezes, ou um indivíduo que nem sequer joga futebol — como aconteceu na história de Ceará-Mirim, que vimos acima.

Quando a cidade conta com uma pessoa dedicada, energética e envolvida, as coisas parecem simplesmente acontecer. Iniciativas são postas em movimento, surge dinheiro para apoiar a causa e todos sentem uma atmosfera de motivação, de que tudo está no caminho certo.

Mas isso tudo que parece acontecer ao acaso pode ser fruto dos esforços de uma pessoa.

Ao ver uma história de sucesso surpreendente, é só ler um pouco mais a fundo e logo você chega no benfeitor ou no líder que iniciou ou possibilitou tudo.

Contratação vs incentivo do esporte raiz

Por necessidade, por geralmente terem acesso a menos verba do que os clubes maiores, as cidades pequenas acabam incentivando o esporte local mais do que as grandes.

Como isso acontece?

Simples. A cidade combina atletas contratados de fora, que custam muito mais, com os atletas locais, que, é claro, ficam bem mais em conta.

Isso tem uma série de benefícios, pois cria oportunidades para pessoas da região e deixa o jogo mais nas mãos da própria população. As cidades pequenas sempre têm grande orgulho de verem seus atletas obterem triunfos “lá fora”.

Mas — e esse é o ponto essencial —, essa mistura do talento externo com os jogadores locais traz muitas vantagens para estes últimos. O jogador local ganha muito ao poder treinar com quem veio de fora e traz mais experiência para o jogo. Ou seja: o formato híbrido de contratação local com talento de fora faz com que o esporte da cidade se beneficie imensamente.

azarão

A vantagem de ser o azarão

Um fator que sempre encontramos na vitória das cidades pequenas é o elemento psicológico de ser visto como insignificante, inofensivo.

Tanto é que há quem diga que é melhor ser subestimado do que ser superestimado. Por quê?

A resposta é bastante óbvia. Se os outros pensam que você é inferior a eles, inevitavelmente baixam a guarda ao enfrentá-lo. Isso é algo que ocorre frequentemente nas partidas de clubes ou equipes de cidades grandes contra as pequenas.

A equipe pequena não tem nada a provar, e se tiver uma liderança boa, vai para a luta com confiança, muita motivação e desejo de se superar. 

Já a equipe grande não se sente muito motivada. Ganhar é o que se espera dela, e ninguém acha surpreendente ou digno de nota quando o favorito ganha do azarão. Ou seja, é sempre menor a motivação de um clube renomado que joga contra um desconhecido.

Esse fator pode parecer pequeno, mas todos sabemos que pode fazer a diferença. Foi o caso na Copa Mundial de 2022, onde o Marrocos conseguiu o que parecia impossível, derrotando Portugal e Espanha apesar de trabalhar com uma fração da renda das seleções europeias e não ter nenhum talento comparável com o de Cristiano Ronaldo.

Sem pressão de vencer 

Levando mais adiante o raciocínio acima, podemos observar que em partidas onde a pressão é grande, como semifinais ou finais de campeonatos importantes, as equipes menores sempre levam vantagem.

Isso porque, mesmo a nível individual, os atletas sentem menos pressão. Ou melhor, sentem pressão, mas é uma pressão mais positiva: “Já nos provamos até aqui, agora vamos ganhar isso!””

Já os atletas das cidades maiores podem estar se perguntando o contrário: “Como deixamos isso acontecer? E se perdermos, que vexame não vai ser?”

Esse tipo de pressão é só mais um elemento em partidas complicadas, mas sempre ajuda o time da cidade pequena. 

Um clima diferente

Como são formados os clubes das cidades pequenas? Esse fator frequentemente ajuda a entendermos as histórias de sucesso.

Diferentemente das grandes metrópoles, onde os jogadores não têm muito em comum com a população geral, e geralmente vêm de regiões bem diferentes, os atletas de cidades pequenas são conhecidos de todos e conhecem-se uns aos outros.

Muitas vezes, isso ajuda a criar um clima de camaradagem e motivação que simplesmente inexiste nos treinos dos grandes clubes profissionais.

Um dos elementos essenciais para a formação de uma boa equipe é a criação de uma identidade conjunta. Os jogadores devem poder se identificar uns com os outros, com seu time. 

Isso acontece facilmente numa cidade pequena, onde os esportistas, mesmo os que não são originários dali, sentem mais essa identidade social e se deixam cativar por ela.

Os atletas nas cidades pequenas

Curiosamente, as cidades do interior também tendem a desenvolver atletas melhores do que as cidades grandes. Isso pode parecer estranho à primeira vista, dado que, como já vimos, as cidades maiores dispõem de mais renda, maior presença de clubes grandes e mais oportunidades de forma geral.

No entanto, já foi bem observado esse sucesso dos atletas do interior. 

Nos Estados Unidos, por exemplo, foi feito um estudo com o hóquei juvenil com resultados surpreendentes. No estudo, foram consideradas cidades pequenas as de menos de 50 mil habitantes. E descobriu-se que um jogador de hóquei juvenil numa cidade com menos de 50 mil pessoas tinha 18x mais chance de jogar na NHL, a Liga Nacional de Hóquei, com que sonham todos os adeptos da modalidade.

Não se sabe exatamente o que causa este fenômeno, mas os dados confirmam que ele é real. 

Entre as teorias que procuram explicar o maior sucesso dos jovens esportistas do interior, temos o próprio fator social. Seria exatamente a diferença entre a cidade pequena e a grande que aumenta as chances de sucesso dos jovens.

De acordo com Jean Côté, professor de cinesiologia na Universidade de Queensland, o que conta não é o tamanho — é o ambiente.

Os jovens das cidades pequenas crescem em um ambiente menos competitivo, menos profissionalizado. Ao ser introduzido a um esporte, um garoto ou menina de uma cidadezinha podem ter a ilusão de que ele ou ela jogam o esporte bem.

Afinal, você só precisa ganhar de alguns poucos colegas para virar líder de um local onde relativamente pouca gente pratica o esporte. E a falta de exposição a outras cidades e equipes confirma esta ilusão por mais tempo.

Embora seja apenas uma ilusão, essa ilusão seria benéfica, diz Côté, por motivar a criança a continuar fazendo algo em que acredita ser muito boa.

Isso dá à criança mais tempo para desenvolver seu talento, mas também fomenta uma qualidade essencial em todo atleta: a autoconfiança.

Um caso inusitado: O campeão de xadrez brasileiro

O xadrez é um esporte bem diferente daquilo que estamos acostumados a considerar esporte. Não envolve atividade física, mas é praticado competitivamente em altíssimos níveis, e geralmente requer muitos anos de treinamento para se chegar a um nível forte.

No Brasil, o campeão brasileiro atual veio justamente de uma cidade pequena, do interior de São Paulo: Catanduva. Proveniente de uma família despretensiosa, Luis Paulo Supi contou com o apoio da prefeitura local desde pequeno, quando já demonstrava um talento excepcional. 

Com muita dedicação, foi competindo em nível cada vez maior, acabando por obter o título de Grande Mestre e tornar-se campeão brasileiro aos 25 anos de idade.

Conclusão

Vimos aqui uma série de fatores que podem estimular e contribuir para o sucesso dos esportes em cidades pequenas.

Entre outros, temos o patrocínio ou o estímulo local que pode vir de prefeituras, empresários ou membros da sociedade civil.

Em relação ao fator psicológico, vimos também que as cidades pequenas se beneficiam da “mentalidade de azarão” e que muitas vezes alcançam uma combinação perfeita de talento local com atletas contratados.

E, finalmente, vimos como, a nível individual, os atletas de cidades pequenas têm vantagens sobre seus competidores das metrópoles.

Isso tudo não muda o fato de que as cidades pequenas nunca serão as favoritas, devendo sempre fazer esforços maiores para conseguir o sucesso esportivo. Mas é justamente isso que nos atrai às histórias de sucesso delas. 

Afinal, quem não gosta de ver o azarão sair ganhando?

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